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Ninguém me contou

Quando eu quis me tornar mãe, ninguém me contou sobre a vida que eu teria dali em diante.


Ninguém me contou que durante a gravidez, eu sentiria tanta vontade de fazer xixi, tanto sono e tanto mau humor, mas também que eu ficaria mais disposta. Ninguém me contou que seria desesperadora a sensação de não sentir as pernas após a anestesia para o parto e muito menos que ela não teria o efeito completo até o médico começar a me cortar. Ninguém me contou que eu ficaria sangrando por quase 40 dias e sentiria muita cólica com a contração uterina nesse período. Ninguém me contou que haveriam dias tranquilos e outros, terríveis, com noites idem. Ninguém me contou que eu trocaria fraldas bombardeadas, junto com as roupas, por aquele ser tão pequeno e indefeso que só se alimentava do meu leite. Ninguém me contou que quando ele começasse a comer, essa situação seria ainda pior, ainda mais se ele comesse mamão.


Ninguém me contou que haviam marcos de desenvolvimento para cada fase ou idade. Ninguém me contou que o fato dele não sentar sozinho, sem apoio, aos 7 meses, merecia investigação, nem o fato dele não querer nem tentar ficar em pé sozinho aos 10 meses. Ninguém me contou que os balbucios dele não queriam dizer que a fala estava se formando. Ninguém me contou que o fato dele não conviver com outras crianças, não era sinônimo dele sempre querer brincar sozinho, mesmo tendo entrado na escola.


Ninguém me contou que eu teria um filho autista (no fundo, pela minha crença, eu sei que escolhi e aceitei isso nesta minha vida). Ninguém me contou que o autismo tem vários graus e que não existe só aquele esteriótipo antigo, de uma pessoa que se balança, chacoalha e bate a cabeça na parede. Ninguém me contou que eu enfrentaria muitas coisas até chegar ao diagnóstico. Ninguém me contou que o diagnóstico não traria nenhum tratamento e muito menos, nenhum resultado pronto. Ninguém me contou que os dias seriam imprevisíveis e poderia ter muitas oscilações num mesmo dia. Ninguém me contou que ele precisaria de terapia multidisciplinar e sem prazo pra terminar. Ninguém me contou que eu amaria esse menino pra sempre. E isso, não precisaria ninguém me contar mesmo.


Agora eu te conto: são muitas batalhas, muitos preconceitos a enfrentar, até dentro de nós mesmos. Trabalho incansável e de muita parceria entre família, escola e todos os profissionais e pessoas envolvidas nos cuidados do nosso menino. Nada funciona de forma isolada, é como a engrenagem de um carro: todas as partes precisam estar conectadas e funcionando de forma cooperativa e equilibrada para o carro andar. É assim com o autista: se alguma parte se desequilibra, mesmo que momentaneamente, ele sente e vai se desequilibrar junto e o equilíbrio pode demorar a voltar. É tenso, é dolorido, mas passa. Tem dias que dá vontade de desistir de tudo, de jogar a criança pela janela (risos), de passar o dia todo reclamando da vida. Mas isso também passa e é esquecido facilmente com um abraço apertado, um sorriso de alegria, um amor que transcende as palavras. Isso ninguém me contou, eu aprendi e vou continuar aprendendo dia após dia. E isso eu posso contar a você.















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